Em meio ao processo no STF que investiga supostos atos contra a democracia após as eleições de 2022, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, réu colaborador desde fevereiro de 2024, prestou depoimento crucial nesta segunda-feira, 9 de junho de 2025. Sua delação premiada é peça central na acusação da PGR de que aliados de Jair Bolsonaro articularam medidas para invalidar a vitória de Lula.
O Fato Central:
Em interrogatório perante o ministro Alexandre de Moraes, Cid afirmou que Bolsonaro revisou pessoalmente um documento que propunha a reversão dos resultados das eleições. Segundo seu relato:
“O ex-presidente fez alterações no texto, retirando trechos que mencionavam a prisão de autoridades, como o ministro Moraes. […] De certa forma, ele enxugou o documento, retirando autoridades das prisões, ficando somente o senhor [Moraes] como preso.”
Detalhes da Proposta:
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O documento, segundo Cid, previa:
(i) Anulação das eleições de 2022;
(ii) Criação de uma comissão eleitoral para convocar novo pleito;
(iii) Prisão de autoridades, incluindo Moraes — trecho posteriormente suprimido por Bolsonaro. -
Em resposta à menção sobre sua prisão, Moraes reagiu com ironia: “O resto foi conseguindo um habeas corpus”, em referência a outros investigados que obtiveram liberdade preventiva.
Negação de “Grupo Golpista Organizado”:
Cid descreveu um cenário fragmentado, sem coordenação explícita: “Os grupos não eram organizados. […] Eram pessoas que levavam ideias. Tinham dos mais conservadores aos mais radicais.”
Ao ser pressionado por Moraes a identificar “radicais”, citou nominalmente o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Almir Garnier: “Classifiquei entre um dos mais radicais”. Em contraste, classificou o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira como “moderado”.
Reação Imediata da Defesa:
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Durante a menção a Garnier, seus advogados — incluindo o criminalista Demóstenes Torres — manifestaram agitação no plenário, com cochichos e revisão de documentos. A defesa de Garnier já havia declarado anteriormente que “opiniões pessoais não configuram crime”.
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A defesa de Bolsonaro, liderada por Paulo Bueno, reagiu em nota: “Revisar um texto não implica adesão a seu conteúdo. O presidente jamais endossou medidas ilegais, conforme comprovarão as provas”.
Juristas alinhados à direita destacam falhas na narrativa:
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Ausência de materialidade: O documento descrito por Cid nunca foi localizado pela PGR. Como afirmou o constitucionalista Lenio Streck: “Delação sem prova material é narrativa, não fato jurídico”.
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Contexto das discussões: A defesa sustenta que reuniões pós-eleição debateram hipóteses teóricas de garantia da ordem, não plano concreto.
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Viés do relator: A réplica irônica de Moraes é citada como exemplo de “parcialidade que contamina o processo”, na avaliação do instituto Vem pra Rua.
Próximos Desdobramentos:
O depoimento de Cid será confrontado com os interrogatórios dos demais réus, começando por Garnier nesta terça-feira (10/6). O STF deverá analisar:
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Se as alterações no documento citado por Cid indicam intenção de agir ou mera discussão hipotética;
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A coerência da delação com provas já colhidas (como mensagens de Telegram).
Conclusão:
Enquanto a esquerda vê no depoimento “confirmação de um projeto golpista”, setores conservadores enfatizam a lacuna probatória e o caráter político do processo. Como resumiu o cientista político Bruno Garschagen: “O caso reflete a judicialização da polarização: sob o pretexto de defender a democracia, criminaliza-se o dissenso político”.